em parceria com AR Arquitetos
CASA AO TEMPO
“A arquitetura lida com a noção de tempo de uma forma particular. A duração de um projeto resume-se a um instante mínimo, quando comparado com a idade do sítio em que se intervém, ou com a expectativa de permanência do edifício que se prevê construir. O exercício do projeto representa assim um esforço de assimilação, durante o qual esses tempos são convocados e comprimidos, ensaiando-se uma proposta de interpretação que os articule e da qual resulte uma continuidade legível. Se o tempo em si corresponde, de algum modo, à sobreposição estratificada dos sucessivos presentes, a arquitectura assemelha-se a uma arqueologia da transformação.”
Manuel Aires Mateus
O Concurso Vila dos Mellos nos convoca a refletir sobre o papel da arquitetura - e da ‘casa’ - na construção ‘um novo e verdadeiramente contemporâneo formato de vida coletiva rural’. Neste âmbito, qual seria a expressão de uma arquitetura rural inovadora, respeitosa do entorno, e livre de dogmas ou ideologias?
A vida no campo, à diferença da vida urbana, se desenvolve em plena integração com a natureza
e seus ciclos temporais e ambientais. Nesta condição, todos os indivíduos e agrupamentos, independente de local, cultura ou classe social, são igualmente suscetíveis a um Tempo que não é o do homem moderno, mensurável e controlado.
Neste sentido, o tempo compacto e preciso da arquitetura se coloca à disposição do tempo dilatado da natureza e sua livre transformação. É justamente neste espaço intersticial que reside o sentido do Habitar. A casa imprime, em sua simples presença, o passo incontrolável do tempo o sobre o qual somos chamados a intervir. A expressão que resulta é singela; mas ‘intensa e poderosa’.
A relação atemporal e infinita nos recorda da finitude de nossa existência, e a põe em contraste com a larguíssima continuidade do tempo fora do destino individual de cada um e da coletividade.
Ao pensar no Habitar desprovido de ideologias ou estilos, cabe-nos a beleza de organizar a força da pátina do Infinito Tempo sobre a métrica do constructo humano.
Neste sentido, e em consonância com o propósito do Habitat Vila dos Mellos, optou-se por utilizar um sistema predominantemente em madeira. Primeiro por se tratar de matéria-prima renovável, de baixa pegada ambiental (maior sequestro de carbono, menor energia requerida para transformação / industrialização) e alto potencial de utilização, mas também por ser um material leve, durável e de fácil manutenção e substituição. Mas sobretudo por se tratar de material altamente suscetível às marcas da passagem do tempo, o que em si constitui valor fundamental do registro da presença do homem e da coletividade junto à natureza. Por se tratar de um material orgânico, o resultado estético vai se transformando permanentemente, tornando cada casa e o conjunto delas um organismo vivo em permanente mutação.
MEMORIAL JUSTIFICATIVO
Nesta etapa, foi utilizado o TERRENO típico ‘A’ (aquele em declive a partir da via pública). A casa se IMPLANTA em sua porção superior, mais próxima à rua, paralela às curvas de nível e solta do chão, para reduzir ao mínimo a distância de acesso, bem como o trabalho de terra e os pontos de contato com o solo, deixando cursos d’água e da fauna livres de interferência.
A solução de PLANTA apresenta grande flexibilidade de composição e ampliação, organizada longitudinalmente em três faixas: a sul, junto ao terreno, estão os espaços servidores, ou seja, a linha hidráulica (fácil acesso e manutenção) e o acesso por meio de deck externo; a norte, voltadas para a vista, estão as áreas servidas, de estar e dormir. Entre elas, a faixa de 1 módulo de largura garante e organiza a livre circulação, agregando área ao ambiente de estar.
Em sua versão menor (56m2), a casa possui sala (22m2) e um dormitório (10m2), além de dois núcleos hidráulicos (5m2), sendo um módulo de Cozinha + Área de serviço, e outro de banheiro compartimentado (w.c. + lavatório + chuveiro c/ trocador). Além de um deck no lado de serviço e outro social, parcialmente cobertos.
Em sua versão ampliada (2 dormitórios) a casa passa a ter 73m2, contando com um terceiro núcleo hidráulico, que pode compor uma suíte com ou sem banheira, ou servir como AS externa, depósito, rouparia, entre outras opções (ver prancha).
A ESTRUTURA industrializada modular em MLC da ITA Construtora, parte da modulação 1.2m x 1.2m, com pilares a cada 3 módulos e balanços de 1, explorando a defasagem em relação aos vedos para alocar aberturas. Isto gera grande liberdade compositiva e facilidade de ampliação futura. Num eventual desenvolvimento do projeto, pretende-se realizar o ajuste dimensional entreeixos de forma a garantir o máximo aproveitamento de componentes com o mínimo trabalho (ex. cortes de placas).
Os VEDOS EXTERNOS são do tipo LWF (Light Wood Frame) com envelopamento climático, com acabamento interno em gesso acartonado pintado e externo em sistema de fachada ventilada com madeira nativa de alta densidade. Rufos metálicos galvanizados, além de protegerem as aberturas e topos de fachada, prolongam-se horizontalmente, gerando diferentes exposições às intempéries mesmo em faces coplanares, imprimindo sobre a PELE da casa as variantes decorrentes dessas diversas ações do ambiente (numa combinação cronológica imponderável de umidade, exposição solar).
É essa marca indelével e genuína, advinda do imponderável, que estabelece a presença finita do homem, submetido ao tempo infinito da natureza, permitindo à comunidade reconhecer-se - e medir sua presença na paisagem.
Os PISOS internos serão todos executados em assoalho de madeira Cumarú fixado diretamente sobre o barroteamento, dispensando-se a utilização de lajes secas para redução de custo do conjunto. Pode se prever o fechamento sob os barrotes para melhor performance térmica. Nas áreas externas o assoalho será substituído por decks e chuveiro receberá piso-box.
A COBERTURA, primeiramente pensada como um teto-jardim (substituido por questão de custo), será executada em telha termo-acústica com isolamento complementar e forro de gesso acartonado.
O sistema de ESQUADRIAS em madeira e vidro procura resolver acessos e ventilação da forma eficiente e econômica. Um único sistema, sempre recuado e protegido, composto de porta de madeira com vidro e uma tapadeira opaca pivotante vertical, resolvem duplas circulações e acessos ao/do exterior, possibilitando ventilações cruzadas da área social em ambas as direções. As vistas, tanto no quarto quanto na sala, resolvem-se com vidros fixos sem caixilho: um grande e central, piso-teto na sala; e um de canto no dormitório, sob o qual uma tapadeira opaca de madeira tipo maxim-ar resolve a ventilação cruzada complementada sobre o armário na parede oposta, a qual tira proveito do recuo da caixilharia lateral.